PRIMEIRO ATO
Moema está sentada nas almofadas no meio da sala fazendo meditação. Muitos incensos acesos tornam o ar quase insuportável.
Entra Irene cheia de sacolas gemendo e queixando-se.
IRENE: Ai, ai, ai. Que dor nos meus pés. (senta-se mas não solta as bolsas, começa a tirar os sapatos), malditos joanetes. Também tive que caminhar até o fim da São José pra conseguir receber daquela mulherzinha! (se dá conta de que a fumaça do incenso está lhe incomodando)
Puxa vida Moema! Quantas vezes eu já te disse pra não acender tanto incenso dentro da sala? Um dia desses tu ainda vais botar fogo nesta casa!
MOEMA: E quantas vezes eu já te disse que o meu nome é Luz do Sol do Amanhecer Infinito? Por favor não atrapalha a minha comunicação com o Cosmos. Ele está aberto pra receber as minhas energias.
IRENE: Energias? Eu quero saber se as tuas energias foram suficientes para deixar a cozinha limpinha depois do almoço. Olha Moema...
MOEMA: Luz do sol....
IRENE: Eu não sei como tu consegues ficar aí sentada, pensando sabe-se lá em que, enquanto todo mundo tem que matar um leão por dia pra sobreviver!
MOEMA: Ué. E quem foi que disse que meditar não faz parte da sobrevivência humana? Se tu queres saber, todos os grandes filósofos e pensadores da humanidade passavam boa parte dos seus dias meditando.
IRENE: Ah sim, enquanto isso, seus escravos carregavam pedra pra construir pirâmides! Tá bem Moema. Eu não vou mais discutir contigo, até porque EU tenho mais o que fazer, tem um monte d pedidos pra passar a limpo. Consegui mais uma representação. Agora, além do Avon, Natura, Jequiti e Hermes, também vou vender plano de saúde. (começa a tirar da bolsa os kits de produtos.
MOEMA: Cruzes Irene, tu parece até uma barraquinha de camelô ambulante!
IRENE: Ah Moema! Eu precisava que tu me fizesse um favor. Quando saíres, passa na loja Realeza e eentrega um desses kits pra uma das gurias que trabalha lá?
MOEMA: Eu? Eu não Deus me livre!
IRENE: Ué! Porque não? Tu não te dás com alguém de lá?
MOEMA: Não é isso. É que eu vi na vitrine outro dia, um bota cano longo liiiinda, me apaixonei por ela. Mas meu eu interior tem que estar livre dessas vontades mundanas, eu não quero comprar! Eu não preciso comprar! (atira-se no chão e começa a se debater) Eu não quero aquela bota maravilhosa pra sair no final de semana!!!!
IRENE: (Olha a cena com cara de reprovação) Ta Moema, já entendi, Tu não vais fazer um favor pra mim mesmo. Tudo bem, eu caminho mais um pouco e entrego o produto.
MOEMA: (recompondo-se) Não, o que é isso. Amiga é pra essas coisas, afinal eu tenho que ser forte e manter a minha mente em conformidade com as minhas aspirações cósmicas. ....Mas, que fique bem claro que se eu sucumbir a terrível tentação do consumo devastador, a culpa é toda tua.!!!
Segunda-feira eu passo lá e entrego o tal kit.
IRENE: Segunda-feira? Porque esperar até segunda-feira?
MOEMA: Ora, porque hoje é sexta-feira! Dia de balada! Então, temos que nos preparar, arrumar cabelos, unhas, pés, tudo....
IRENE: Ta maluca. Tu sabes que eu não sou chegada nessas baladas que tu inventas, e depois, ainda tenho muita mercadoria pra entregar até chegar o fim de semana. Pode esquecer.
MOEMA: A não. Tu me prometeste que iríamos ao próximo “EL MATADOR!” Não vai me deixar na mão na última hora.
IRENE: Dã. Tinha esquecido dessa tortura com data marcada. Tudo bem, mesmo assim, o EL MATADOR é só amanhã, portanto me esquece!
MOEMA: Mas Irene... Temos que sair hoje pra engatilhar alguma coisa pra amanhã...
IRENE: Sim, engatilhar, só que seja algum canhão solto pela noite. A por favor Moema...
MOEMA: Luz do sol...
IRENE: Quando é que tu vai cair na real. Homens não são o nosso forte. Ou porque tu achas que duas quarentonas que nem nós dividem a casa?
MOEMA: Ah. Deixa disso amigona. Tens que entregar ao Cósmico, a natureza está toda prestando atenção em ti. Te abre guria.
IRENE: Ihhh. Não vem com esse papo de natureza. Na última vez que eu caí na tua conversa me dei mal. Acabei na cama com um catador de lixo!
MOEMA: Catador não: reciclador. E fica sabendo que essa será a profissão do futuro. O Serguey pode vir a ser um homem milionário no futuro.
IRENE: Serguey... tinha me esquecido de mais esse mico.
MOEMA: Mas tudo bem Irene. Se é assim. Eu aceito a tua indiferença, a falta de parceria, o abandono, a descrença no futuro, o relaxamento com as relações humanas...
IRENE: Chega Moema! Não começa com esses teus discursos que não to com saco pra aturar. Vamos fazer o seguinte. Se eu conseguir botar a minha contabilidade em dia, eu saio contigo, mas o máximo que vou é até o Xira’s. Nada de pagode hoje, ok?
MOEMA: Claro maninha, vou aproveitar e acender um incensão pra abrir os caminhos....
IRENE: Faz uma cara de quem desiste.
(Nisso aparece Maria Eulália no fundo do teatro carregando mala, frasqueira, de salto saia justa e muito atrapalhada)
MARIA EULÁLIA: Eu consigo, eu sou forte, eu chego lá, se ele pensa que vou me entregar está muito enganado! Eu sou uma mulher incrível, tenho amigos, muitos amigos, milhares de amigos. O mundo inteiro é meu amigo. Ora onde já se viu. Me dizer que sou uma dondoca que não faz nada? Pois eu vou provar que ele está muitíssimo enganado. (bate à porta da casa das amigas, Moema vem atender)
MARIA EULÁLIA: Oi Moema querida!
MOEMA: Maria Eulália? O que tu fazes aqui assim, cheia de malas?
IRENE: Quem é Moema?
MOEMA: è a Maria Eulália! (Irene vem à porta)
MARIA EULÁLIA: Será que eu posso entrar? (e vai entrando)
MOEMA: ihihi já vi tudo
IRENE: Maria Eulália Mendes Estuart o que foi que aconteceu? Diz logo de uma vez menina, que estamos curiosas.
MARIA EULÁLIA: Adivinha (com cara de burra)
MOEMA: Nem precisa! O Otávio te deixou, eu já vi esse filme!
MARIA EULÁLIA: Não!!!! EU o deixei. Não consegui mais agüentar aquela cara insuportável, aquele ar de superioridade, aquela exibição de músculos bem torneados na academia, a mania de me deixar sempre de fora dos assuntos, o tom irônico quando me diz: -É a idade querida. Arg! Eu desisto!
IRENE: Mas Maria, tem que ter acontecido alguma coisa grave, ninguém desiste de um casamento de 20 anos assim, do nada.
MOEMA: E eu já imagino o que possa ser....
MARIA EULÁLIA: Não aconteceu nada....Eu apenas descobri que ele está saindo com a secretária.
MOEMA: Isso não é um motivo importante. Todos os homens saem com a secretária!
IRENE: Cala a boca Moema! Mas no fundo, essa destranbelhada tem razão, Maria. Tu sabes que é da natureza dos maridos um casinho aqui, outro ali.
MARIA EULÁLIA: Sim, perfeitamente compreensível, em se tratando da natureza primitiva dos homens. Mas...dizer que a secretária é mais inteligente, mais interessante e mais trabalhadora do que eu? É demais!!!!
MOEMA: Puxa vida ele pegou pesado!.
IRENE: Bom aí já é demais. Eu nem conheço essa tal secretária. Mas também acho que não é pra tanto!
MOEMA: Claro! Afinal se ela fosse assim TÃO maravilhosa não era só uma secretariazinha que sai com o chefe....
MARIA EULÁLIA: Vocês acham????
IRENE: É verdade. E além do mais, nós conhecemos o Otávio. Aquele arrogante, metido a galã. Só porque tem um metro e oitenta, cabelos grisalhos, carro do ano, e uma conta bancária privilegiada, se acha o maioral.
MOEMA: Isso mesmo! E ainda por cima tem duas faculdades, fala duas línguas e tem grande
influência com o governador do estado. Realmente Maria Eulália, o teu marido é uma porcaria.
MARIA EULÁLIA: Ah gurias! Vocês podem até achar que eu sou louca, que deveria agüentar essas coisas pra manter meu casamento...mas eu não quero mais. Cansei de ser vista apenas como a governanta da casa. A responsável pela educação dos filhos, que vai às compras que zela pelo colarinho do marido chega!!!!!!
Tem um lugar aqui pra mim!
AS DUAS: Aqui¿¿¿¿
IRENE: Bom, isso é com a Moema, ela é a dona da casa.
MOEMA: Claro, quero dizer, claro que eu sou a dona da casa mas, eu divido tudo com a Irene por isso temos que decidir juntas (ficam num canto cochichando)
MOEMA: O que tu achas da Maria Eulália morando aqui com a gente¿
IRENE: Não sei não. Ela nunca trabalhou, nunca pegou no pesado, como será que ela vai dividir as despesas¿
IRENE: Olha Eulália.É o seguinte. Nós aqui dividimos as despesas, e não sou poucas, Então, tu vais ter que entrar no rolo. Não sei como ficou tua situação, lá com o Otávio....Tu ficaste com uma pensãozinha né¿
MARIA EULÁLIA: Não! Nem morta! Daquele verme eu não quero nem o pó! (repete a expressão de Carlota Joaquina), eu sei que todo mundo aqui pensa que eu não sou capaz de refazer a minha vida, mas eu provo o contrário ou não me chamo MARIA EULÁLIA MENDES ESTUART, não. MARIA EULÁLIA MENDES!
MOEMA: Muito bem amiga. Com esse discurso tu ta parecendo até candidata a prefeita, mas o que nós queremos saber mesmo, é como tu pretendes te virar. Assim, de verdade, trabalho....sabe como é¿
MARIA EULALIA: Trabalho¿ Não...nunca trabalhei. Nunca fui mais do que uma dona de casa. Mas isso sim, eu sou das boas!
MOEMA: Eu tive uma idéia! A Eulália pode ser uma “personal governess” .
IRENE: Cruz credo Moema, que história é essa¿
MOEMA: É uma governanta de grãn fina, ela ajuda as dondocas a organizar a casa, dar ordens pras empregadas, ensina a organizar festas...
MARIA EULÁLIA: AHHHHHH!!!! Adoreia idéia, eu também posso ensinar como cuidar das coisas do marido!!!!
IRENE E MOEMA: NÃO!! Isso não!
IRENE: Ok, então tu podes ficar aqui conosco. Se esse negócio vai dar certo, eu não sei, mas tens que fazer dinheiro urgente!
MOEMA: Bem vinda ao clube amiga!!!!! Iupi!!
IRENE: Bom, Maria Eulália, já que tu vais ficar aqui conosco, temos que apresentar algumas regrinhas da casa...
MOEMA: Claro!!!! Por exemplo: ninguém pode interferir na meditação das pessoas....
IRENE: Nada disso. O caso é o seguinte: Tem três regras básicas de convivência:
1) TODAS as despesas da casa são divididas;
MOEMA: Isso, inclusive Irene, tu está me devendo a metade daquele desodorizador de ambiente que compramos semana passada...
IRNE: Compramos uma ova! Que isso não estava no planejamento. Isso é muito importante Eulália: controlar as maluquices da Moema. Só porque ela tem renda fixa, vive de aluguéis, e arrendamentos, pensa que o dinheiro dá em árvore, portanto, não entra no consumismo dela senão tu quebras!
MOEMA: Pombas Irene! Até quando tu vai ficar com esse papinho de burguês e proletariado do tempo que o Fidel Castro tinha dentes¿¿¿¿ Eu não tenho culpa se herdei umas coisinhas, e isso não me transforma num gigante capitalista que vai engolir as migalhas que tu recebes vendendo AVON.!!!!
MARIA EULÁLIA: Calma meninas, quem sabe a gente discute isso outra hora¿ Podem por favor me botar a par do funcionamento da casa pra que eu possa seguir as regras direitinho¿
MOEMA: Regra número dois. Não é permitido, sob hipótese alguma, dar em cima do trocinho da amiga.
IRENE: Muito menos apresentar o amigo do trocinho pra amiga. Você estará sujeita a entrar numa fria!
MOEMA: Lá vem ela novamente. Até parece que já te botei numa fria alguma vez!!!!
IRENE: Serguey¿
MOEMA: Regra número três, e a mais importante: respeitar, fazer o possível pra amenizar e priorizar a TPM da amiga. Olha Eulália tu não queiras saber o que é a Irene com TPM, sai de baixo que aí vem tropilha!
IRENE: Ah é nesse ponto tenho que concordar com a Moema. A TPM é uma entidade que baixa no ser feminino como uma tempestade, vasculha tudo, escabela, dá olheira, dói muito e o pior: de repente o mundo todo conspira contra esses pobres seres indefesos. Pra vivermos juntas, temos que respeitar a TPM.
AS TRÊS JUNTAS: Hai TPM!
MOEMA: Irene me lembrei de uma coisa!
IRENE: O que foi¿
MOEMA: Hoje é sexta-feira!
IRENE: Lá vem ela de novo!
MARIA EULÁLIA: O que tem na sexta-feira de tão importante¿
MOEMA: Balada, pegadão, rock in roll, pagodão, qualquer coisa pra gente curtir....Vamos levar a Maria pra nigth.
MARIA EULÁLIA: Ah não sei não, faz tanto tempo que eu não saio, ainda mais sozinha, nem sei como me comportar....
MOEMA: Capaz menina! Nós te damos um traquejo, umas dicas e quem sabe até te arrumamos um trocinho pra tu ficar hoje!
MARIA EULÁLIA: Trocinho¿ Ficar¿ O que significa isso Moema¿ Confesso que eu já ouvi essa linguagem, mas eu não sei direito o que quer dizer.
MOEMA: Como é que vou te explicar....Já sei!!!! Vem cá. Quando tu chegas numa loja, e enxergas aquele vestido lindo, perfeito, te chamando vem cá meu bem, eu fui feito pra ti... O que é que tu faz¿
MARIA EULÁLIA: Ora, eu digo pra vendedora: Quero ficar com este!
MOEMA: Bingo! Isso mesmo! Aí tu levas pra casa, desfilas com ele por aí, mata as amigas de inveja, e de repente...cansou do modelito, aí...
MARIA EULÁLIA: Bom, aí eu dôo pra alguém mais necessitado.
MOEMA: M A R A V I L H O S O ! Grande menina, sacou na hora. Isso é ficar amiga!
IRENE: Moema!!! Tu ta maluca, ta comparando um cara com um vestido, por favor não confunde a Maria Eulália que ta meio zonza ainda...
MOEMA: Bobagem...a comparação foi perfeita, não foi¿
IRENE: Moema, Moeminha, senta e vai meditar que eu vou ajudar a Maria a planejar a nova profissão dela...
MOEMA: Nananinanão. Primeiro vocês vão me prometer que hoje à noite nós três vamos sair juntas pra nos divertir, como nos velhos tempos!
MARIA EULÁLIA: Por mim tudo bem, vai ser bom mesmo, vamos ver se o Otávio suporta me ver assim tão feliz...
IRENE: Putz. Tudo bem, sou voto vencido mesmo. Logo mais a gente sai então.
TOCA O TELEFONE IRENE ATENDE
IRENE: Alô. Irene Caldeira a sua revendedora. Oi Neide. Sim, ta, tenho, claro agora mesmo! Quantos¿ ta to indo aí. Beijo.
Gurias, vou ter que sair pra entregar uns produtos, daqui a pouco eu volto, Maria Eulália fica a vontade e não entra muito nas conversas da Moema!
MARIA EULÁLIA: Ta bom. Até mais tarde.
IRENE SAI E FICA MARIA E MOEMA CONVERSANDO.
MARIA EULÁLIA: Puxa! A Irene continua a mesma, certinha, perfeccionista e pessimista!
MOEMA: É... o caso dela é grave. Piorou muito depois de dois casamentos desfeitos e uma amizade colorida que terminou preto e branco...
MARIA EULÁLIA: É mesmo¿ Foi tão grave assim¿
MOEMA: Bah! Se foi! O cara trocou ela pelo dentista! Aí já viu, ela passou a ignorar a presença masculina. Eu até tento tirá-la dessa naba mas...
MARIA EULÁLIA: Coitada. Bom, na verdade nós estamos numa situação um pouco parecida, né¿ Sem marido, sem trabalho, sem casa própria...
MOEMA (Dá um salto) Mas isso tudo pode mudar hoje à noite!!!! Pensa bem Maria Eulália: tem um príncipe encantado vagando aí, pelas ruas, a procura de sua amada, com uma carteirinha de cristal na mão, tentando encaixa-la no bolso de uma de nós...
MARIA EULÁLIA: Minha nossa Moema! Essa foi forte demais! Do jeito que tu falas,parece que a gente vai sair à noite pra um safári, caçar javali.
MOEMA: Javali não! Javali não! Vamos caçar o futuro! Possuí-lo, com um chicote na mão coloca-lo numa jaula, e nunca deixa-lo escapar!!!!
FIM DO PRIMEIRO ATO
SEGUNDO ATO
Maria Eulália está sentada pintando as unhas dos pés (entre os dedos têm chumaços de algodão) os cabelos presos no alto da cabeça. Veste uma camisola de algodão com umas florzinhas bordadas. Bem mãe.
Irene vasculha roupas à procura de uma cinta, cara cheia de creme verde, veste short camuflado e camiseta branca (parece uniforme de PM).
Moema está atrás do biombo experimentando um milhão de roupas...
MARIA EULÁLIA: Santo Deus! Vocês querem saber de uma coisa¿ Eu estou meio sem graça de sair pra noite sozinha.
MOEMA: Que isso¿ E a gente não conta¿
MARIA EULÁLIA: Ah Moema tu sabes que quando eu digo sozinha, quero dizer sem marido, sem um acompanhante masculino...
IRENE: Pode deixar Maria, logo, logo tu te acostumas. Moema! Por acaso tu andastes mexericando nas minhas roupas¿ Eu não encontro a minha cinta!
MOEMA: Calma Maria Eulália. (Sai de traz do biombo de hoby de ceda, as botas pretas e na cabeça uma touca metálica de fazer hidratação)
MARIA EULÁLIA: Nossa! Que visão mais bizarra!
IRENE: Essas botas pretas....
MOEMA: Por favor me ajudem que eu tô com uma dúvida cruel. (exibe em cada uma das mãos um cabide com um vestido diferente)
MARIA EULÁLIA: Que túnicas lindas!
IRENE: (SEM OLHAR) Não são túnicas, são vestidos.
MARIA EULÁLIA: Ué, deste tamanho¿ Isso daí te serve guria¿
MOEMA: Já vi que tu és do time da Irene: Mulheres depois dos trinta estão proibidas de usar roupas um dedo acima do joelho....
IRENE: Ahahahahaha, depois dos trinta é piada, tu tens quase quarenta Moema! (vira-se para Maria Eulália) Ela é conhecida na noite como o “morcegão de saia curta”...
MOEMA: Muito bem! Morcegão de saia curta, que ainda faz muito ambientalista babar nestas bem torneadas pernas, neste corpinho esguio e bem distribuído. Olha eu pedi a opinião de vocês pra saber se saio com este ou este hoje...e só, dispenso os demais comentários...
MARIA EULÁLIA: Se é assim... O pretinho pode ser mais discreto...
IRENE: Também acho...
MOEMA: Ok. Então vou com o vermelho.
IRENE: Viu só¿ depois sou eu a casmurra... Achei!!!! Cruzes! Tava mesmo perdida a minha cinta (exibe a cinta como se fosse um quadro de um pintor famoso)
MOEMA: ahahahahahahah! (pega a cinta daas mãos de Irene e fala como se fosse um leilão) Senhoras e senhores: Este é um artigo muito valioso, pois faz parte do vestuário das mulheres que viveram na santa inquisição. Diz-se aliás, que Joana Darc queimou um igualzinho a este em sua fogueira como símbolo da libertação feminina.....Quem dá mais¿ É uma peça de antiquário...
IRENE: (arranca a cinta das mãos de Moema) Passa já pra cá! Pois eu não tenho vergonha nenhuma de usar uma cinta. Me faz bem, fico feliz comigo mesma....
MOEMA: É, faz de conta que tu tens uma cintura....
MARIA EULÁLIA: Irene, eu te confesso que não vejo necessidade de tu usares essa cinta. Afinal teu corpo ainda é bem bacana...Ademais, os padrões de beleza de hoje são bem mais flexíveis, sem a obrigatoriedade de termos o corpo da Barbie...
MOEMA: Se fosse assim, a Barbie já tinha se inforcado....
IRENE: Tolices. Eu uso cinta e pronto. Ninguém tem nada a ver com isso. Além do mais, quem se importa¿
MARIA EULÁLIA: Mas Irene, pensa na possibilidade de pintar um romance e talvez uma dança mais próxima, o cara pode se dar conta que tu ta enfiada dentro dessa armadura..
IRENE: Que romance¿ Que música mais próxima¿ De onde tu saíste Maria Eulália¿ Em que mundo tu estavas confinada nestes últimos anos¿ Vou te explicar uma coisa: No lugar aonde a gente vai tem tanto barulho, que o máximo que um cara pode te dizer é (com gestos Irene faz um sinal de positivo e outro de vamos embora), e a única música que toca é tunchi, tunchi, tunchi, então não precisamos nos preocupar com bobagens. Vou sair com a minha cinta e pronto!
MOEMA: Deixa Maria Eulália. Assim ela se sente mais protegida não tem perigo de nenhum leão chegar perto. Além disso, pode ser que assim ela pelo menos ria “Quero ver Irene rir, quero ver Irene dar sua risada”.
IRENE: E tu Maria, já escolheste o teu “trajinho” pra sair¿
MARIA EULÁLIA: Ainda não sei direito. Estou entre um pretinho Hercchovitch, e um prata Valentino...
MOEMA: Puta que o pariu amiga, tem necessidade de humilhar a gente desse jeito¿
MARIA EULÁLIA: (com cara de burra) O que foi que eu fiz¿
IRENE: Não esquenta Moema. Naquele aperto, ninguém vai saber a marca do vestido que a Maria vai usar...
MOEMA: é melhor tomar cuidado, usar algo mais simplesinho, porque daqui a pouco, a coisa aperta e tu tens a opção de passar o Hercchovitch nos trocos. Por isso não dá pra ficar expondo as peças assim, em qualquer ocasião...
MARIA EULÁLIA: Minha nossa Moema! Tu tas agorando o meu guarda-roupa¿ Pois não vendo meu Hercchovitch por nada nesse mundo!
MOEMA E IRENE: vende sim!
MOEMA: Tem pelo menos dez motivos bem convincentes no final do mês pra vender o Hercchovitch!
MARIA EULÁLIA: Querem saber¿ Vou guardar bem guardados meus vestidos de grife. Eu einh¿ Tão querendo é me assustar. Além do mais, vou ganhar muito dinheiro como personal governess. Mas continuo com um problema. O que vestir¿
IRENE: Jeans e camisete. Não tem perigo de errar.
MOEMA: Mini e corselete. Fica muito sedutora!
MARIA EULÁLIA: Nada disso, não vou sair do meu estilo. Vou continuar sendo quem eu sempre fui, autêntica, verdadeira, ressaltando as minhas qualidades....e disfarçando alguns defeitinhos que por ventura possam aparecer....
IRENE: Que horas são¿ A gente não vai sair muito tarde não é¿ Tô cansada e não quero sair na hora de voltar...
MARIA EULÁLIA: Como assim¿
MOEMA: Eu já sei o que VOCÊS DUAS precisam pra entrar no clima da festa! Música!!!!
MARIA EULÁLIA: Ah! Boa idéia! Faz tanto tempo que não escuto uma música legal. O Otávio só escutava música clássica...
IRENE: Pois sim. Música clássica em casa, né Maria. Aposto que com a secretária ele ouvia até o MC Leozinho.
MARIA EULÁLIA: M o quê¿
MOEMA: Irene, para de destilar veneno e me ajuda a escolher um som bem maneiro pra gente se aquecer....
IRENE: Ta bem, põe aquela que eu adoro! Do Michael Jakson....
MOEMA: É pra já!
Moema coloca Triller no aparelho e as três dançam um pedaço da música na frente do palco.
MARIA EULÁLIA: (desaba no sofá) Ai que delícia. E pensar que nós até gravamos um “clip” dançando essa música na escola!
IRENE: Pior, e nos achando as quentes!!!!
MOEMA: Vocês são mais antigas, eu vou colocar uma moderninha e quero ver quem me acompanha!
MOEMA COLOCA MACARENA NO CD, AS OUTRAS DUAS SALTAM DO SOFÁ E PÕEM-SE A DANÇAR
Depois do fim da música elas se abraçam
MOEMA: Eu não disse¿ Um pouco de música consegue milagres! Até a Irene deu sua risada!
MARIA EULÁLIA: Peraí, eu também tenho a minha preferida.
IRENE: Iiiihhh. Vê lá em Maria! Pelo que eu me lembro, tu gostavas da seção mela-cuceca, não vai botar uma aí de cortar os pulsos!
MARIA EULÁLIA: Nem pensar, vocês vão conhecer agora o meu lado libertina!
MARIA EULÁLIA COLOCA A MÚSICA PRISCILA RAINHA DO DESERTO. AS TRÊS ENLOUQUECEM E DÃO UM SHOW DE PERFORMANCES. MARIA EULÁLIA EXTRAVASA A SUA SENSUALIDADE MEIO ATRAPALHADA, SOLTA OS CABELOS E VIRA FERA.
FIM DO SEGUNDO ÁTO
TERCEIRO ATO
As três entram na balada, dançando. Moema vem à frente muito descolada, com ar de quem conhece todo mundo. Maria Eulália vem logo em seguida, também muito à vontade, porém C O M P L E T A M E N T E fora de ritmo. Por último vem Irene visivelmente constrangida com o ambiente.
tunchitunchitunchitunchi
IRENE: Por mais preparada que eu esteja, eu sempre me surpreendo com esses lugares!
MOEMA: Qual é Irene, vai dizer que não é muito bom pra botar os demônios pra fora? Uou!!!!!!!
Tunchitunchitunchitunchi
IRENE: Sim, desse jeito que tu danças e te saracoteias, tu colocas os demônios, os capetas, as bruxas, feiticeiras e se facilitar, colocas até as tetas pra fora!
(moema faz pouco caso do comentário de Irene e segue se sacudindo)
MARIA EULÁLIA: Gurias! (chamando as outras duas pra perto pra poder falar ao ouvido) Acho que nós chegamos muito cedo!
MOEMA: Cedo nada! Tá ótima a festa, aí ó. Lotadinha!!!
MARIA EULÁLIA: É que tem tanto jovenzinho, então eu pensei: vai ver que os mais velhos vêm mais tarde? Não é que eu tenha alguma coisa contra a mocidade, não. Mas...sei lá, estou me sentindo um peixe fora d’água.
IRENE: Olha aqui Maria Eulália. É melhor ir se conformando, a faixa etária vai ficar em torno dos dezoito. Não cria esperança não. Pra encontrar gente da “nossa” idade tem que ir no baile dos velhos, que é no domingo de tarde!
MARIA EULÁLIA: Ahhhhhhhhhhh......Mas então....o que é que nós estamos fazendo aqui?
IRENE: Eu avisei que os programas da Moema são de índio. Ela insiste na teoria de que temos que permanecer entre os jovens para mantermos nossa jovialidade!
MOEMA: Nada disso, Maria Eulália. Aqui a gente encontra muito cara legal, e com mais de trinta anos sim. Não entra na neura da Irene.
IRENE: Ahahahahaha. Sim quando algum destes passar, pode ficar esperando: atrás dele ou vem a esposa, ou vem o namorado!
MARIA EULÁLIA: Não sei não, eu tô começando a ficar assustada.
MOEMA: Porquê?
MARIA EULÁLIA: É que tem um menino ali, ali encostado no pilar que já fez uma senha pra mim duas vezes!
IRENE: Que senha?
MARIA EULÁLIA: (FAZ O SINAL DE POSITIVO E OUTRO DE VAMOS EMBORA)
MOEMA: Não acredito! Não é possível que a Maria Eulália, que está guardada no fundo do baú há mais tempo que a cinta da Irene, conseguiu arranjar um trocinho antes de mim. Assim não vale amiga, é desleal!
MARIA EULÁLIA: Como?
IRENE: Mas.... Eulália, o guri deve ter uns vinte e quatro, até que não é tão fedelho.
MARIA EULÁLIA: Tu achas? Mas... o que eu poderia conversar com ele?
IRENE: Sei lá: pergunta quais os horários que ele gosta de fazer academia, se o carro dele tem aro de liga leve, ou... se o orkut dele já passou de mil.
MARIA EULÁLIA: será? Não sei acho que não vai dar certo!
MOEMA: Ai meu Deus!! Socorro! Chamem os bombeiros!
IRENE; O que foi?
MOEMA: O vestido! Ele veio!
IRENE: Que vestido? Ta maluca
MOEMA: O vestido, aquele, que foi feito pra mim!!! (ameaça desmaiar) Eu to de olho nesse cara faz um tempão. Acho que hoje ele vai chegar em mim. Confia morcegão, confia (faz o sinal da cruz)
MARIA EULÁLIA: Mas é o Ed!
MOEMA: Tu conheces????
MARIA EULÁLIA: Claro! É o Edgar, sócio do Otávio naquela empresa de exportação!
MOEMA AMEAÇA DESMAIAR NOVAMENTE
MARIA EULÁLIA: Que engraçado, ele acabou de se casar mas....eu não estou vendo a mulher dele, ela é uma graça nós fomos ao casamento deles.
MOEMA: Não pode ser... Puxa Maria Eulália como tu és estraga prazer! Pra que contar essas coisas...
IRENE: Bah, Moema, já deu pra notar que o cara é um sacana. Veio pra balada e deixou a mulher em casa, que bela bisca!
MOEMA: Sabe lá, de repente ela aprontou alguma, deixou o pobrezinho sozinho....coitadinho...
IRENE: Pára de proteger os homens Moema! Eles não merecem nem um pingo de compaixão. Nem um piscar de olhos e pronto: Já estão aprontando. Que mania!
MOEMA: E tu, vê se para com essa mania de derrubar qualquer possibilidade de arrumar um companheiro, desse jeito tu vai acabar é ficando com aquela guria que ta ali encostada na parede te secando a horas!!!!!
AS TRÊS ARREGALAM OS OLHOS, SURPRESAS E ENCARAM A GURIA. DÃO-SE CONTA DE QUE É VERDADE O FLERTE COM IRENE
IRENE: Bom está na hora de tirar o time de campo.
AS TRÊS: Vamos ao banheiro!
AS TRÊS ENCAMINHAM-SE AO BANHEIRO.
MOEMA: (vai direto na frente do espelho) Preciso de um plano, caso o Edgar venha falar comigo. (anda de um lado para o outro), Tenho que investigar porque ele está sozinho aqui, se pretende ter novas relações, quais são suas intenções....
MARIA EULÁLIA: (levanta a saia e senta no vaso – imaginário) (FALANDO SOBRE O SEU FEDELHO) Será que ele se interessaria por culinária? Talvez tenha bom gosto e saiba discutir sobre grifes....Meu Deus! Não sei o que estou fazendo aqui. (levanta-se e veste-se) Se o Otávio descobre que eu estou numa balada, pensando na possibilidade de sair com um rapaz quinze anos mais novo do que eu, ia morrer de rir. Já posso ouvi-lo falar: “Que decadência, Maria Eulália, que decadência”.
MOEMA: Irene! O que foi menina, parece que tu viste um fantasma!
IRENE: Uma mulher....
MARIA EULÁLIA: Acho que ela está em estado de choque, pobrezinha...
MOEMA: Não, a Irene é forte, ela não se abala com essas coisas...
IRENE: Uma mulher...
MARIA EULÁLIA: Irene (silêncio)
IRENE: Uma mulher! Mas como eu não vi isso antes! Uma mulher, uma mulher, uma mulher (pega uma de cada vez e dança em volta)
MOEMA: Me solta, ai que nojo!
MARIA EULÁLIA: Irene tu estás me assustando....
IRENE: Claro! Mulheres são fiéis, são leais, amigas, cúmplices, carinhosas, compreensivas....
MOEMA: (olhando para o público) É mesmo? Nós somos tudo isso?
MARIA EULÁLIA: Tinha alguma coisa na bebida dela?
IRENE: Que alívio! Eu estou livre, posso ser feliz finalmente, vou vender Avon como nunca! (vai pra frente do espelho, acomoda as tetas, como que percebendo a sua feminilidade novamente)
MOEMA E MARIA EULÀLIA ASSISTEM ATÔNITAS A VIRADA DE IRENE. AMBAS SUSPIRAM
MOEMA: Momentos de tensão.
MARIA EULÁLIA: Tô sem coragem de sair daqui.
MOEMA: Ah, o que é isso. Vamos curtir o que ainda nos resta de noite amigas. Tem muito leão solto por aí pedindo pra entrar nessas jaulas, uuuuu!!!!!!!!
AUMAENTA O TUNCHITUNCHITUNCHITUNCHITUNCHI ELAS DANÇAM BEM LOUCAS. Fazem um movimento como se fossem embora. Voltam e sentam-se num sofá. A música perde o volume até desaparecer.
IRENE: Nossa senhora. Que reviravolta. Parece que não sou eu que estou neste corpo. Acho que tu colocaste alguma coisa na minha bebida Moema.
MOEMA: Pois sim. Eu acho é que tu soltasse a franga rápido demais pro meu gosto. Agora conta vai, conta o que rolou lá com a guria.
IRENE: Ah... sei lá. Se me perguntassem há dois dias atrás se eu me relacionaria com uma mulher, era bem capaz de levar um tiro. Mas aí, ela me olhou de um jeito tão diferente, despertou minha curiosidade, e eu gostei. Foi isso.
MOEMA: Bom, se isso servir pra aliviar o teu mau humor, até que não é tão ruim. Mas não inventa de trazer trocinho pra casa não. Calcinha nas gavetas, só as minhas, por favor, ainda tenho que me acostumar com a idéia.
IRENE: Olha o piti Moema. Agora conta o que todo mundo quer saber: como foi a noite com o ED pula a cerca?
MOEMA: O EDGAR? É o homem mais gentil, mais cavalheiro, mais cheiroso, mais sexy, mais adorável que eu já conheci...... (fica flutuando)
IRENE: Tá certo. Mas....e a esposa?
MOEMA: Ah, ele tem que ficar casado com ela por uma questão diplomática.
IRENE: Como assim? Ana D’Áustria e Napoleão Bonaparte? Que conversa Moema.
MOEMA: Olha, eu também não to muito interessada na vida dele lá com a Matriz. Me basta tranquilamente ser a filial. Não quero casar, não quero morar junto. Só quero ficar com a parte boa do relacionamento.
IRENE: Se tu diz...
ENQUANTO MOEMA E IRENE CONVERSAM, MARIA EULÁLIA ESTÁ QUIETA.
MOEMA: Ei, Maria Eulália! Que tu ta quieta que nem criança mijada no canto? Como é que terminou a noite lá com o saradão de 24?
MARIA EULÁLIA: Nada.
IRENE E MOEMA: Como nada????
MARIA EULÁLIA, : Bom, é que... Assim que começamos a conversar, quer dizer, trocamos algumas palavras na verdade, tocou o meu telefone.
IRENE E MOEMA: NÂOOOOOO!!!!
MARIA EULÁLIA: Siiiiiiiim. Era o Otávio.
IRENE: E o que ele queria?
MARIA EULÁLIA: Ele queria saber como eu estava, disse que estava com saudades de mim...
MOEMA: E tu???
MARIA EULÁLIA: Eu disse que estava assistindo a um musical da Broadway...sozinha....e com saudades . Aí ele pediu pra eu voltar pra casa.
IRENE E MOEMA: Nãooooooo!
MOEMA: Mas criatura, tu chegaste aqui prometendo que nunca mais ia te submeter a este traste (...) de marido e no primeiro estalar de dedos, puft! Tu voltas correndo!
MARIA EULÁLIA: Ah, mas eu pensei que a minha vida de casada era uma droga, que meu marido era uma droga, que eu era uma droga. Mas depois, comecei a me dar conta que não é bem assim. Quem nem tudo é tão ruim e, como dizia minha mãe: “Ruim com ele, pior sem ele”. Eu vou voltar pra casa!
AS OUTRAS DUAS SE OLHAM
IRENE: (dirigindo-se ao público) Foi só uma sexta-feira!!!!
MOEMA: Bem lembrado amiga! E em homenagem a esta sexta-feira na qual domamos as nossas vidas: Vamos dançar!
Eh! EH! EH!
Começa a tocar uma música árabe e as três começam a dançar a dança do ventre até fechar as cortinas.
FIM
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