domingo, 10 de janeiro de 2010

As histórias de Amarata Lopes

A HISTÓRIA DE AMARANTA LOPES

PERSONAGENS

1- Amaranta aos 85 anos de idade
2- Amaranta aos 16 anos de idade
3- Pedro Antares do Amaral Lopes (pai de Amaranta)
4- José Bonifácio aos 10 anos de idade (irmão de Amaranta)
5- José Clemente aos 8 anos de idade (irmão de Amaranta)
6- Manoel Ataíde (bolicheiro)
7- Lígia (neta de Amaranta)
8- Nenita ( governanta)
9- Antônio Pimenta Negociante


CENA 1

Amaranta está sentada na sala de casa, em sua cadeira de balanço. Entra Lígia sua neta.

LÍGIA- Boa tarde vovó. Como está hoje?
AMARANTA- Muito bem Lígia, voando como um passarinho, entre as nuvens de recuerdos.

LÍGIA- Por favor vovó, conte-me uma de suas histórias.
AMARANTA- Ainda tens tempo para ouvir meus devaneios? Não te parecem coisas sem fundamento?

LÍGIA - Os mistérios escondidos em cada parte destas histórias é que encantam a toda a gente. Pois que nunca se sabe, onde termina a realidade e começa a ficção.
AMARANTA- Pois então te senta, e ouve com os ouvidos compassados com as batidas do coração...

AMARANTA- Minha mãe morreu quando eu tinha 10 anos. Foi uma comoção em toda a região, principalmente por causa de meu pai que ficou sozinho com as 3 crianças: meu irmão Bonifácio tinha 4 anos e Clemente apenas 2 aninhos.
Com o passar do tempo, as coisas foram se ajeitando, graças a resignação de meu pai e a ajuda insuperável da Nenita, a governanta da casa, fidelíssima à minha mãe.

( entra Pedro Antares terminando de vestir-se e chamando por Nenita)

PEDRO ANTARES- Nenita! Por favor Nenita! Traga-me de uma vez Bonifácio e Clemente! Já estamos atrasados para sair. Desse jeito não conseguiremos chegar à cidade antes do meio-dia.
(entram os dois meninos correndo e se empurrando, seguidos de Nenita que carrega os casacos das crinaças)
NENITA- Desculpas senhor Pedro, mas esses menino não atendem ao chamado da gente, faz tempo que venho dizendo pra botá mais freio nessas criança!

PEDRO ANTARES- Muito bem Nenita. Estou levando os meninos comigo para que eles comecem a aprender as manhas do negócio de gado. Tenho um encontro importante com o Antônio Pimenta, pretendo negociar com ele uma boa ponta do rebanho. Espero que eles se interessem desde agora pela administração da fazenda pois no futuro é Clemente e Bonifácio que vão tocar os negócios.

NENITA- Adesculpe me meter seu Pedro, mas acho que o senhor precisa dar mais atenção pra menina Amaranta. Ela já tem 16 ano, e precisa de orientação na vida.

PEDRO ANTARES- Amaranta já sabe bordar, tem noções de cozinha e também sabe como comandar a casa. Isso é suficiente para garantir o seu futuro. E deixemos de conversa, que já estou atrasado.

NENITA (resmungando) Não sei não, ele não conhece essa menina....

(todos saem da cena, e AMARANTA segue contando a história a Lígia)

AMARANTA- Meu pai era um homem muito respeitado naquelas bandas. Na juventude deveria ter sido um belo jovem mas, com as intempéries da vida tornou-se sisudo e arredio. Porém a retidão de seu caráter construiu a imagem séria do homem de negócios, dono de um considerável patrimônio. Um de seus poucos, porém fiel amigo, era o Manoel Ataíde, o dono do Bolicho mais forte que tinha na cidade. Ali se reuniam as principais personalidades da época para discutir política, negócios e sociedade...

(enquanto Amaranta fala, Pedro Antares e seus filhos chegam no Bolicho de Manoel Ataíde, sentam-se à beira de uma mesa e o bolicheiro logo vem atendê-los)

MANOEL ATAÍDE- Buenas tardes cumpadre Pedro! Que bom vê-lo com ares de saúde.
PEDRO ANTARES- O mesmo lhe digo amigo Ataíde. De certo tua família está em bons dias também!
MANOEL ATAÍDE- Graças a Deus! E como estão crescidos estes guris! Como estás parecido com teu avô, Bonifácio! E tu Clemente, tens o corpo esguio como o teu pai!

BONIFÁCIO- Mê dê logo uma àgua ardente que estou com a goela seca da estrada Manoel bolicheiro!
CLEMENTE- Pra mim podes trazer uma chinoca pra me abanar e espantar este calor!

PEDRO ANTARES (batendo forte na mesa)- Ajeitem-se meninos! Primeiro vocês tem que aprender a ganhar o dinheiro de vocês pra poderem pagar a conta!

MANOEL ATAÍDE- Os piás tão com toda a corda, Antares, quem sabe serão bem aproveitados na política?

PEDRO ANTARES- Que política que nada! Nem me digas isso que eles vão aprender o ofício do pai deles, que era o mesmo do meu pai, e de toda a minha descendência.Hoje eu os trouxe comigo para negociar um gado com o Antônio Pimenta.

MANOEL ATAÍDE- Me diga cumpadre Antares, como se encontra tua filha Amaranta? Tanto tempo não a vejo, nem reconheço sua mocidade.

PEDRO ANTARES - Amaranta é muito parecida com a mãe. (fica pensativo...Depois acorda) qualquer dia procuro um bom marido pra ela.
Mas me diga amigo Manoel, que tens ouvido dos negócios do Antônio Pimenta?

MANOEL ATAÍDE- Pois os comentários são duvidosos (diz Manoel baixando um pouco a voz), o tal parece ser de conversa rápida. É preciso acompanhar as pegadas dele.

(enquanto os dois conversam, Bonifácio e Clemente jogam cartas na ponta da mesa)

PEDRO ANTARES – Bueno, vou andando senão me “atraso” amigo Manoel, e obrigado pelo aviso. Guris! Deixem a carpeta e vamos logo tratar da vida! Até mais Manoel!

MANOEL ATAÍDE – Até mais ver Pedro Antares...( fica olhando os três se afastarem) Eu tenho a impressão que esses meninos do Pedro Antares não vão dar em boa coisa....

AMARANTA- Pois tu sabes Lígia, que o bolicheiro Manoel Ataíde tinha um pouco de razão. Meus irmãos Bonifácio e Clemente não deram em boa coisa. Pelo menos não naquilo em que meu pai esperava deles...

(entra Pedro Antares em casa, visivelmente aborrecido)
PEDRO ANTARES- Nenita! Por favor me traga uma garrafa de vinho, estou muito cansado da cavalgada.

(quem aparece com a bandeja na mão é Amaranta)
AMARANTA - Boas tardes meu pai, como se foram?
PEDRO ANTARES – Nem me fale Amaranta, nem me fale.

AMARANTA – Que tal lhe pareceu o negociante Antônio Pimenta?
PEDRO ANTARES – Um sujeito de olhar sorrateiro, com pose de ave de rapina, sempre pronto pra um desafio!

AMARANTA- E os meninos como se comportaram?
PEDRO ANTARES – (furioso) Ah! Esses dois mereciam era uma boa coça de relho! Tu acreditas que eles provocaram uma confusão, tramaram uma fala não sei de onde e acabaram comprometendo toda a minha negociação com o tal. Bonifácio e Clemente! Venham até aqui seus piás!

(os meninos entram de cabeça baixa, sabendo o que os esperava)

PEDRO ANTARES – Bonifácio, tu que és o mais velho, me responde: de onde vocês tiraram aquela idéia de dizer que aqui na estância todo gado andava doente?

BONIFÁCIO- Ué pai, não foi o senhor mesmo quem disse que primeiro a gente desfaz da mercadoria pra conseguir um preço mais baixo?

CLEMENTE- Isso mesmo, é assim que nós negociamos as nossas bolijas.

BONIFÁCIO – E além do mais, nós queríamos mesmo é que o senhor terminasse logo aquela conversa. Um calorão de rachar, e nós ali, loucos de sede.
(Pedro dá uma olhada furiosa para os meninos, que saem correndo)

AMARANTA- E qual foi o resultado das negociações? Conseguiu vender o gado afinal?

PEDRO ANTARES – Tu achas que depois das trapalhadas dos teus irmãos, o homem iria fechar negócio sem ter certeza da saúde do rebanho? Por sorte aceitou vir até aqui a fazenda pra dar uma olhada no gado. Não sei ao certo em que dia irá aparecer.
Mas o que mais me preocupa....é o desinteresse dos teus irmãos....(e sai com ar preocupado)
(Nenita entra)

NENITA – Pela cara emburrada do seu Pedro, as coisa não foram muito boa lá pela cidade. O que foi que os menino aprontaram?

AMARANTA- Parece que o tal Antônio Pimenta não ficou convencido da palavra de meu pai.

NENITA- Mas por causa de que é tão importante fazer negócios com esse tal?

AMARANTA- Pelo que eu entendi das conversas, esse Antônio Pimenta é um sujeito novo aqui na região, mas vem conquistando a simpatia de todos os fazendeiros, fazendo uma série de negócios. Isso significa que negociar com ele, é sinônimo de “inteligência”.

NENITA- Ea sinhaninha acha que o seu Pedro não consegue se entende com ele?

AMARANTA- Consegue sim. Mas acho que não deveria. Estão dando muita importância a essa pessoa que, quase ninguém conhece.

(Amaranta enfia o braço em Nenita e as duas saem de cena)

AMARANTA (85) – Pena que meu pai não costumava ouvir as minhas opiniões. Ele sempre achou que as mulheres não têm noção de negócios.....ou melhor, quase sempre......

(entra Pedro afobado)

PEDRO – Nenita! Venha cá por favor!

NENITA – Sim seu Pedro, to chegando.

PEDRO – Prepare chá e café, e deixe uma garrafa de licor. O senhor Antônio Pimenta está chegando, veio aqui ver o nosso gado. Ah! E não se esqueça de manter Bonifácio e Clemente bem longe da sala. Não quero correr o risco de ser atrapalhado novamente.
(Nenita sai correndo arrastando os chinelos, nisso entra Amaranta)

PEDRO - Minha filha, quero que estejas aqui para receber o senhor Antônio. Fazes as honras da casa e depois podes te retirar se quiseres.

AMARANTA –(arrumando o lenço no pescoço do pai) Pareces um pouco nervoso meu pai. Não é de seu feitio ficar assim diante de um desconhecido.

PEDRO- O negócio não teve um bom começo. E tenho o pressentimento de que não terá um bom final.

AMARANTA- Não te preocupes tanto pai. Lembre-se que até hoje, o senhor sempre comprou e vendeu seu gado entre os nossos vizinhos e conhecidos. Nunca lhe faltarão homens de bem para fazer negócio com o senhor.

(entra Antônio Costa)

ANTÔNIO – Com licença e buenas tardes!

PEDRO- Se achegue senhor Antônio, sinta-se à vontade como se a casa fosse sua. Lhe apresento minha filha Amaranta.

ANTÔNIO- Muito prazer, senhorita (beijando a mão de Amaranta com olhar interesseiro)

AMARANTA – (seca) Igualmente.

PEDRO- Então como tem passado esses últimos dias? Muito trabalho, eu aposto.

ANTÔNIO – Sim, com certeza! Muitos negócios têm ocupado os meus dias. Ainda ontem fechei com o senhor Mariano Saraiva um lote de seu gado mais gordo. E já acertei com o Tenório Almeida passar em sua propriedade mais tarde.

PEDRO - Pois então vamos logo recorrer o campo pra ver de perto minha criação.

ANTÔNIO – Na verdade, já tive dando uma olhada no seu rebanho no caminho que percorri até a fazenda. Realmente me pareceu meio enfraquecido. Talvez não seja possível conseguir o preço esperado.

PEDRO - Não acredito que o senhor esteja sendo influenciado pelas bobagens ditas por duas crianças. Meu gado é muito saudável, nunca tive problemas e nunca deixei de recorrer o campo todos os dias pessoalmente. Insisto para que olhemos os animais de perto.

ANTÔNIO – O senhor bem sabe que sou um homem muito ocupado. Seria desperdício de tempo já que, repito, avistei seu gado no caminho para cá.

PEDRO – Então isto significa que a proposta está definida?

ANTÔNIO – Infelizmente senhor Pedro Antares, não poderei oferecer nada melhor. E acho que o senhor não encontrará melhor oferta do que esta.

PEDRO (alterado) Mas isto é uma injúria. Insistir em dizer que meu gado está doente para conseguir preços mais baixos!

ANTÔNIO – Foram seus filhos que disseram isso, não eu. E o senhor sabe bem: crianças não mentem.

AMARANTA – O senhor parece ser bem sucedido em todos os seus negócios não é mesmo senhor Antônio?

ANTÔNIO – Modéstia parte, sou sim. Todos sucumbem ao meu talento.

AMARANTA – E ninguém consegue lhe dizer um NÃO. Não é verdade?

ANTÔNIO – (em pé como num discurso) É verdade. Parece que meu talento na arte de conquistar as pessoas chega a superar a capacidade delas de reconhecer os bons negócios. Confesso, menina Amaranta, que às vezes até eu mesmo me surpreendo com a minha lábia.

Amaranta e Pedro se olham. O pai se dá conta do que a filha queria que ele visse com a pergunta dela)

PEDRO - Pois bem senhor Antônio. Gostaria de lhe dizer que foi um prazer conversar com o senhor mas, infelizmente não poderemos fechar esse negócio. Espero que da próxima vez tenhamos mais sorte.

ANTÔNIO - Como assim??? Para quem o senhor acredita que vai conseguir vender esse seu gado doente?

PEDRO – Tivesse doente o meu gado, senhor Antônio, com certeza não estaria aqui o senhor a querer compra-lo, não é verdade? Ademais, tenho cumpadres que há anos negociam comigo, e até hoje ninguém precisou vir aqui ver o rebanho pra confirmar minha palavra. Sendo assim, passe muito bem!

ANTÔNIO – Pois fique o senhor sabendo que toda a gente vai ouvir essa história do Pedro Antero Lopes que não quis vender seu gado para o Antônio Pimenta!

AMARANTA – Pois é justamente isto que esperamos que aconteça, senhor Antônio. Toda a gente....

(pedro e amaranta abraçados observam o homem se afastar, nisso os meninos passam correndo com armas de brinquedo, pai e filha começam a rir e saem atrás)

LÍGIA – E o que aconteceu depois vovó?

AMARANTA – Naquele espisódio, Pedro Antares relembrou um valor importante: vale mais uma palavra de um homem de bem do que o discurso de um conquistador. E desde então, ele passou a discutir com a filha Amaranta todos os negócios realizados na fazenda.

LÍGIA – E os meninos vovó?

AMARANTA – Bem, os meninos.....

(ENTRAM BONIFÁCIO E CLEMENTE (ADULTOS) EMBRIAGADOS)

BONIFÁCIO: Clemente tu achas que fizemos um bom negócio?
CLEMENTE: Claro que sim, afinal, quem não trocaria duas éguas mansas por dois barris de cerveja?

FIM

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