Eu tive poucos contatos com a morte quando eu era criança. Acho que umas quatro ocasiões ficaram guardadas na memória.
Uma vez fomos a um enterro: eu, a minha irmã mais velha, o Vô Lesinho e a Vó Noska. Era na campanha, acho que alguém bem velho. Descemos em frente a uma casa muito antiga, onde também tinha um montão de gente antiga. Não passei da porta assim que ouvi o choro de mulheres lá dentro, dei uma disfarçada e escapuli para o mais longe que pude. Quando saiu o enterro era bastante gente de carro, e também alguns de carroça, e no decorrer do caminho, quando passávamos em frente de alguma casa as pessoas fechavam as janelas. - Porque fecham as janelas, vó? - Para que a morte passe e não chegue!
Em outra ocasião, eu voltava do colégio. Quinta série, onze anos, meu primeiro ano no Aimone. Eu ia de bicicleta para a escola todos os dias pois a mãe achava que eu era muito magrinha pra andar a pé tamanha distância. Um tarde, quando voltava do colégio, vinha pela rua Herculano de Freitas quando de repente avistei uma multidão na rua e, chegando mais perto vi um pequeno volume estendido no chão coberto por um pano branco. Bem ao lado um caminhão com marcas de sangue. Eu logo percebi o que tinha acontecido e meu coração quase saltou pela boca pois eu imaginei que poderia ser minha irmãzinha menor que estaria ali. Fiz a volta por outra rua e cheguei em casa esbaforida, e fiquei sabendo que não se tratava de minha irmã (graças a Deus!) mas da filha de uma vizinha.
É claro que os que as lembranças das mortes do avô e da avó ficaram marcados na memória pois eram os mais próximos de mim. Primeiro foi o Vô Lesinho. O velório foi na casa dele e, eu tentei entrar duas vezes. Na primeira tentativa, fui até a porta do quarto e vi minha avó deitada na cama chorando. Dei volta. Algumas horas depois fiz mais uma tentativa e desta vez consegui chegar até a sala, mas quando avistei a pontinha do caixão, dei meia volta e disparei. No dia seguinte, a certa altura do enterro uma tia perguntou: - Te despediste do teu avô? E eu respondi sem muita convicção: -Sim.
Depois, perdemos a vó Aides. Desta vez o velório foi na sala da minha casa. A diferença é que desta vez nem tentei chegar perto porque sabia que não ia conseguir. Preferi ficar na casa da vó, cuidando dos irmãos pequenos e de vez em quando espiando pela janela o movimento de entra e sai. Até hoje não suporto o cheiro de Bom Ar porque ficou por muito tempo impregnado na sala de casa.
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